quinta-feira, 30 de agosto de 2012

ENADE, qual o sentido em não boicotar?


Esse texto não é direcionado para quem quer todos os elementos básicos sobre o boicote. Neste caso, sugiro a leitura da cartilha que a minha executiva, a CONEP (Coordenação Nacional de Estudantes de Psicologia), fez junto com outras executivas via FENEX, em 2009 (aqui o link: http://coneponline.files.wordpress.com/2010/08/cartilha-fenex-boicote-ao-enade_online.pdf). Vamos fazer outra cartilha agora em 2012, mas enquanto não fica pronta, decidi escrever este texto. A intenção é lançar uma opinião no ar, como mofo de infiltração que faz espirrar, e contagiar pessoas que queiram falar sobre o assunto, concordando ou discordando de minhas opiniões. Peço que, depois de lerem, espalhem este texto por aí!

Acho importante falarmos sobre o ENADE, porque ele tem um papel muito sujo, muito imundo, mas oficialmente ele é vendido como se cumprisse uma outra função, que é extremamente importante: a função de avaliar o ensino superior.

ENADE não avalia. Ao menos, não avalia para que saibamos o que está bom, o que está ruim, e assim possamos mudar o que precisa ser mudado e melhorar a educação. Imagina os gestores do MEC pegando o conceito de um curso e dizendo, esse aqui é conceito três, pra resolver o problema dele, teremos que investir mais dois conceitos, esse curso aqui é conceito quatro, pra ele só precisamos de mais um conceito. QUE PORRA É ESSE CONCEITO? Pois saiba que o ENADE faz apenas isso: calcula a média das provas pra dizer se o seu curso é conceito um, dois, três, quatro ou cinco. E isso não faz diferença nenhuma pra quem quer descobrir as deficiências de cada curso e investir em resolvê-las, mas é extremamente importante pra quem quer vender a educação como produto. O dono da faculdade particular precisa MUITO que seus alunos façam boas provas, e tirem nota cinco, para que ele possa colocar isso num outdoor, e conseguir mais clientes no ano que vem.

Por isso mesmo é que eles fazem cursinho preparatório para o ENADE, sorteiam carros pros que apresentarem as notas mais altas, e às vezes até dão churrascos pras turmas que obtêm boas notas para a faculdade, no somatório geral. Para que a faculdade gaste dinheiro com o resultado da prova, tenha certeza de que ela não está preocupada com o quanto isso vai melhorar a qualidade do ensino, e sim com o quanto ela vai precisar investir menos em qualidade pra obter clientela e lucro. Caso contrário, camaradas, vocês acham mesmo que as mensalidades de vocês estariam aumentando meses após meses?

Se o ENADE realmente fosse um método de avaliação decente, a gente não precisaria ter medo de fazer campanha contra ele, de falar sobre boicote dentro das faculdades. Um método de avaliação que não aceita críticas vai avaliar o quê? Que tipo de ensino eu vou ter, se a sua avaliação é antidemocrática? Quer arriscar, entre em uma faculdade e tente passar em salas falando sobre a importância do boicote, pra ver o que vai acontecer.

Mas se não tem ENADE, como vai avaliar? Essa é exatamente a pergunta que queremos. Avaliação deve ser pautada nos problemas que queremos superar, precisa captar onde estão faltando estrutura, materiais e outros recursos necessários, precisa apontar quais conteúdos indispensáveis estão ficando de fora, precisa colocar em discussão os métodos pedagogicos que precisam ser melhorados para a nossa formação profissional, precisa dizer o que está errado e o que pode ser melhor no rumo que os nossos cursos têm. Todo curso quer nos levar a algum lugar, e nós temos o direito de intervir nesse rumo, como estudantes. O ENADE não nos dá nenhuma chance disso.

Também tem a questão da falta de autonomia. Cada curso tem uma cara, e a prova é a mesma para todas e todos que fazem um mesmo curso, independente da instituição, da região do país, da cara que o curso dali tem. Cada universidade deve ter o direito de avaliar seus problemas de acordo com suas próprias características, e isso tem muita pouca relevância no resultado final da avaliação da qual o ENADE faz parte. Não faz sentido que o MEC imponha às universidades como deve ser o conhecimento produzido nela, para que ela tenha qualidade. O MEC deveria respeitar a dinâmica de cada universidade, dar recursos para que essa dinâmica possa resultar num ensino de qualidade, e avaliar onde está ruim para que mais recursos sejam investindo, resolvendo os problemas constatados. Ao invés disso o MEC prefere fazer um ranking, para engordar os outdoors das faculdades particulares, e colocar sob as costas das e dos estudantes a responsabilidade de estudar pra fingir que seu curso tem a qualidade mensurada.

Tem uma grande piada aí: os resultados dos ENADEs são MAQUIADOS! Presta atenção, galera: muito curso aí coloca os estudantes para estudarem para a prova! Se o negócio quer avaliar a qualidade do que nos foi ensinado, não deveríamos estudar nada para a prova, deveríamos fazê-la apenas com o conteúdo cotidiano de nosso curso. Aí a galera da UFES vai dizer: "Mas nós não fazemos cursinhos preparatórios!", e aí eu digo: "Não é porque a gente não tem contato com cem porcento da merda, que não tem gente por aí que tá tendo!" Tem é muita particular por aí fazendo isso, e muito mais, coisa que a gente nem imagina. A cada semestre, nas aulas normais do curso, aumenta o número de disciplinas à distância (mais barato pra empresa, menos qualidade pro estudante), e se bobear até a aula preparatória pro ENADE é via internet! (Mas acho que essa não pode ser! Essa nota TEM que ser alta, então a faculdade vai investir dinheiro nessas aulas!). Presta atenção: tem gente investindo dinheiro em melhorar os resultados da nota de um curso, e a gente tá levando essa prova a sério ainda? Tem MUITA gente investindo dinheiro nisso!

Boicotar é um jeito importante de dizer o que achamos da prova, mas é ainda mais do que isso, é um jeito de causar um incômodo, através do qual se debate o assunto. A gente faz muitos estudantes, que nunca tinham se interessado em debater a qualidade da sua própria educação, mas que querem informação acerca da prova que são obrigadas e obrigados a fazer, debaterem o assunto, e pensarem sobre formas melhores de avaliar o curso, e sobre os problemas que deixam de ser avaliados com provas como o ENADE. Em torno do boicote, acontece toda uma mobilização que visa arejar a educação superior brasileira, trazendo criticidade e inteligência no modo como estudantes pensam a sua própria educação.

Boicotar não é fácil, precisa ter construção coletiva, é preciso chamar colegas de curso para a conversa, organizar debates e assembléias, conviver com opiniões diferentes, fazer materiais para explicar sobre o assunto para quem não conhece, etc. Muitas pessoas, convencidas pelas propagandas do MEC e das coordenações de curso, defendem a posição da inércia, que é a de "se a regra do jogo é fazer a prova, façamos". Tem gente que acha que esse assunto não deve ser discutido pelo curso todo, só pelos estudantes que vão fazer a prova (como se o curso avaliado pela prova não fosse das outras turmas também). Pouca gente sabe que somos obrigados apenas a ir à prova no dia e assinar lista de presença, mas que ninguém é obrigado a respondê-la, ou seja, que ninguém é punido se boicotar. Pouca gente sabe que o resultado individual da prova é secreto, que nenhuma faculdade tem como acessar a nota do estudante, só ele. Pouca gente sabe que boicote é diferente de não ir fazer a prova, que boicote quer dizer: "vou assinar a lista de presença, deixar a prova em branco, e colar um adesivo bem gordo nela, para que os corretores saibam que não foi por burrice, mas por inteligência, que eu deixei a prova em branco".

Porque comparar boicote com inteligência? Porque boicote é uma ação coletiva, e eu aposto que ações construídas coletivamente têm mais chance de nos tornar inteligentes juntos do que se agíssemos em separado. Por isso fiz esse texto, espero que dispare conversas coletivas sobre o ENADE, e nos leve a ações mais inteligentes! Espero outros textos, outras opiniões, outras palavras... Vamos movimentar esse tema, galera! E no mais...

...boicotemos, pois!

beijinhos de maracujá!

2 comentários:

  1. Não. Não me convenceu. Pelo que pude entender da exposição, o problema não é o dispositivo de avaliação. mas a conduta dos empresários da educação. Nada garante que o boicote da prova - que é um elemento isolado no conjunto do sistema de avaliação do ensino superior - vai alterar a postura dos empresários. Me parece que deveríamos buscar um outro caminho. Que atinja diretamente os que estão tentando burlar o sistema. Mas vamos acompanhar a discussão. em todo caso o debate é sempre saudável.

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